sábado, 19 de novembro de 2011

Há um Cérebro Social Humano?



Há um cérebro social humano? Os seres humanos são animais excessivamente sociais, mas os substratos neurais do comportamento e da cognição sociais ainda não são completamente conhecidos. Os estudos realizados com seres humanos e outros primatas têm revelado diversas estruturas neurais que desempenham um papel chave na construção dos comportamentos sociais: a amígdala, os córtices frontais ventromediais, e o córtex somatossensorial direito, entre outras estruturas (Adolphs, 1999), que parecem mediar as representações perceptuais de estímulos socialmente relevantes. Estes estudos possibilitaram elaborar a Hipótese do Cérebro Social ou Hipótese da Inteligência Maquiavélica. A sua formulação evolucionária foi feita por Robin I.M. Dunbar (1998, 2003), que, com base em sólida evidência empírica, a apresentou como alternativa às estratégias ecológicas, capaz de explicar os cérebros grandes dos primatas pelas exigências e pressões selectivas impostas pelos sistemas sociais complexos característicos desta ordem. O cérebro dos primatas é essencialmente um cérebro executivo, principalmente o neocórtex responsável pelos aspectos fundamentais da cognição social, em particular pela teoria da mente. Jean-Pierre Changeux reconheceu que a mais-valia da divergência evolutiva que conduziu ao Homo sapiens foi precisamente "o alargamento das capacidades de adaptação do encéfalo ao meio ambiente, acompanhado de um evidente aumento das aptidões para criar objectos mentais e para os combinar entre si". Se tivesse usado o termo construção, em vez de adaptação, Changeux teria apreendido a noção evolutiva do cérebro social, precisamente aquele que sofreu e sofre na sua evolução filogenética e no seu desenvolvimento ontogenético as marcas originais e indeléveis dos laços sociais, da "comunicação entre os indivíduos" e da cultura, o produto mais complexo da mente humana. Não foi a mera adaptação a um meio ambiente dado que desencadeou o aumento do encéfalo, mas a própria complexidade das sociedades dos primatas que culmina com as sociedades humanas. Neste sentido, a evolução do cérebro revela o aparecimento de propriedades que melhoram a sua capacidade de actuação à custa da redução da sua auto-suficiência funcional: o cérebro humano torna-se dependente dos recursos culturais e sociais para o seu próprio funcionamento. Isto significa que estes recursos são constitutivos da própria actividade mental.
A percepção social dos primatas é fundamentalmente visual, embora sinais auditivos, somatossensoriais e olfactivos contribuam para identificar as crias, o género e indivíduos familiares. A percepção da face tem sido muito estudada e diversos estudos mostraram que as células do córtex temporal dos macacos respondem às faces (Tsao et al., 2003). Os estudos de fMRI em seres humanos revelaram o processamento cortical de um tipo específico de estímulos visuais e a área fusiforme foi envolvida no reconhecimento de faces (Gauthier et al., 2000; Kanwisher et al., 1997). Lesões nesta região cerebral produzem défices na recognição de faces e reduções significativas no volume da sua matéria cinzenta foram observadas em pacientes com esquizofrenia crónica que manifestavam dificuldade com a recognição de faces (Onitsuka et al., 2003). O circuito da informação social foi identificado por dois estudos de fMRI (Castelli et al., 2002; Martin & Weisberg, 2004) que, em vez focarem a sua atenção sobre objectos sociais, procuraram saber como o cérebro responde enquanto atribui interacção social a imagens abstractas: o circuito identificado compreende o segmento lateral do giro fusiforme, o sulco temporal superior, a amígdala e o córtex pré-frontal ventromedial, um circuito envolvido na percepção social de primatas não-humanos (Brothers, 1990) e na cognição social humana (Adolphs, 2001). A amígdala está implicada na recognição das emoções sociais (culpa, arrogância) e na percepção do medo (Adolphs et al., 2002; Amaral et al., 2003; Kesler et al., 2001). O córtex pré-frontal ventromedial está fortemente conectado com a amígdala (Steffanaci & Amaral, 2002) e foi associado ao prazer subjectivo (Kringelbach et al., 2003), ao julgamento social (Bechara et al., 1997) e ao processamento de vocalizações sociais nos primatas não-humanos (Romanski & Goldman-Rakic, 2002). Quanto à motivação social, foram realizados diversos estudos de fMRI: o estudo de Bartels & Zeki (2000) sobre amor e perda mostrou que o striatum, a ínsula medial e o córtex anterior do cíngulo estão implicadas na vinculação romântica, e o estudo de Eisenberger et al. (2003) revelou que o córtex anterior do cíngulo e o córtex pré-frontal ventral direito estão envolvidos na resposta à exclusão social, bem como à sensibilidade da dor física (Eisenberger et al., 2006).
A identificação do circuito social no cérebro humano é de grande importância para identificar a neuropatologia do autismo (Lord et al., 2000). Esta perturbação do neurodesenvolvimento é definida por défices no comportamento social recíproco e na linguagem, bem como pela presença de comportamentos estereotipados. As crianças com autismo apresentam ausência de motivação social, tal como é medida pelo contacto visual e pelo interesse em olhar para faces (Klin et al., 2002). Embora não ocorram graves anormalidades no cérebro autista, os estudos de fMRI mostraram que as pessoas com autismo não activam o giro fusiforme quando confrontadas com faces (Schultz et al., 2000). Isto pode indicar a ausência de atenção para faces ou o colapso crítico da habilidade para processar faces. Porém, os indivíduos com autismo são inteligentes na realização de diversas tarefas, excepto nas do domínio social. Estudos clínicos mostraram que as crianças que cresceram com privação social exibem comportamentos do tipo autista e défices permanentes na vinculação (O'Connor et al., 2003). A identificação dos genes que contribuem para as síndromes clínicas, tais como Fragil X Syndrome (Brown et al., 2001) e Rett Syndrome (Shahbazian & Zoghbi, 2002), mostraram que esses genes agem nas vias que medeiam a informação social. E, como revelam estudos recentes, o mesmo sucede com o autismo (Lim et al., 2004; Bielsky et al., 2005; Hammock & Young, 2005; Carter, 2007), a Asperger Syndrome (Ashwin et al., 2006), a Williams Syndrome (Tager-Flusberg et al., 1998) e a esquizofrenia

Fonte:tp://cyberself-neurofilosofia.blogspot.com/2009/07/cerebro-social.html#!/2009/07/cerebro-social.html

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